10 de abril de 2011

Outorga onerosa do direito de construir I

 

Outorga Onerosa do Direito de Construir

Renato Saboya
A Outorga Onerosa é um dos instrumentos regulamentados pelo Estatuto da Cidade, apesar de já ser utilizada em muitos municípios antes mesmo da aprovação do EC. É um instrumento que tem gerado muitas dúvidas na sua implementação e mesmo na sua concepção e previsão dentro do plano diretor.
A Outorga Onerosa do Direito de Construir refere-se à concessão emitida pelo Município para que o proprietário de um imóvel edifique acima do limite estabelecido pelo coeficiente de aproveitamento básico, mediante contrapartida financeira a ser prestada pelo beneficiário.
O Coeficiente de Aproveitamento Básico é um índice que indica o quanto pode ser construído no lote sem que a edificação implique numa sobrecarga de infra-estrutura para o Poder Público. Tipicamente, esse coeficiente é igual a 1, o que significa que o proprietário pode edificar uma área igual à área do lote que possui. Caso o proprietário deseje edificar uma área maior que a estabelecida pelo coeficiente básico, ele deve dar ao Poder Público uma contrapartida financeira, ou seja, ele deve “comprar” do município o direito de construir uma área maior.
Essa área construída, entretanto, deve estar abaixo da estipulada pelo coeficiente de aproveitamento máximo. Portanto, a área máxima a ser outorgada equivale à diferença entre o coeficiente máximo e o coeficiente básico estipulado para a área.
A Figura abaixo ilustra esquematicamente o funcionamento desse instrumento.


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O trabalho traz os aspectos jurídicos da Outorga Onerosa do Direito de Construir (Solo Criado), bem como a experiência de implementação em diversas capitais brasileiras e a inserção em Planos Diretores Municipais. O Solo Criado é toda área edificável além do coeficiente único de aproveitamento do lote, legalmente fixado, sendo sempre um acréscimo ao direito de construir além do coeficiente básico de aproveitamento estabelecido; acima desse coeficiente, o proprietário não terá o direito originário de construir, mas poderá adquiri-lo do Município, nas condições gerais que a lei dispuser.
Os objetivos foram: (i) conceituação doutrinária e legal do instituto; (ii) história do solo criado; (iii) solo criado no Estatuto da Cidade; (iv) a comercialização dos índices construtivos; (v) a imprescindibilidade do Plano Diretor; (vi) coeficiente de aproveitamento básico; (vii) lei municipal específica; (viii) condições para a Outorga; (ix) fórmula de cálculo para a cobrança; (ix) hipóteses de isenção do pagamento; (x) a contrapartida do usuário; (xi) destinação dos recursos obtidos; (xii) aspectos a serem observados quanto ao instituto; (xiii) considerações a serem observadas na aplicação do instrumento; (xiv) trajetória de implementação em alguns municípios brasileiros; e, (xv) o instrumento jurídico do solo criado em Planos Diretores Municipais. A metodologia utilizada foi a teórico conceitual, com consulta a legislação, periódicos, etc. Conclui-se que o Solo Criado é um instrumento jurídico, que possibilita a redistribuição das mais-valias do processo de urbanização, devendo ser implementado de acordo com o estabelecido no Plano Diretor Municipal (com lei específica), observando o prescrito no Estatuto da Cidade.

O direito de propriedade foi um dos que mais sofreu alterações em seu regime na história da humanidade. Influenciado pelo direito romano, era concebido de forma absoluta, atingindo o ápice do individualismo com o Código Civil Napoleônico. Especialmente após a Constituição de Weimar, floresceu a idéia de funcionalização do direito de propriedade, alterando o seu regime e imprimindo-lhe limites em prol do bem comum. A consagração constitucional do princípio da função social da propriedade aliada ao fenômeno da urbanização impulsionou a edição de normas reguladoras do espaço urbano. A Constituição Federal de 1988, em capítulo próprio, estabeleceu os princípios de Política Urbana, atribuindo ao poder público municipal a competência para executar a referida política, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, visando ao pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e ao bem-estar de seus habitantes. As diretrizes gerais foram fixadas pelo Estatuto da Cidade que, entre outros instrumentos, previu a outorga onerosa do direito de construir. Este instituto decorre da necessidade de regulamentar a propriedade horizontal, formada por pisos superpostos, que permite uma maior concentração populacional em uma área cada vez menor, sobrecarregando a infra-estrutura da cidade. Através do mesmo, o poder público limita o direito de construir, adequando-o ao interesse público. As bases teóricas do instituto, no plano nacional, foram estabelecidas pela Carta de Embu, na década de 70, sendo, então, denominado solo criado. Só foi regulamentado em 2001 pelo Estatuto da Cidade, com a denominação outorga onerosa do direito de construir, que permite ao proprietário construir acima do coeficiente básico definido para zona, dentro do limite máximo de densidade fixado pelo plano diretor, mediante uma contrapartida. Essa contrapartida não tem natureza tributária, é um ônus imposto ao proprietário que deseja construir acima do coeficiente de aproveitamento básico. A finalidade da contrapartida é restaurar o equilíbrio urbano entre imóveis de uso particular e de uso público, garantindo o desenvolvimento sustentável da cidade e qualidade de vida para seus habitantes.

Trata-se do solo criado, instituído pela Lei Federal n 10.257, de 10 de julho de 2001 Estatuto da Cidade, como instituto jurídico e político adotado pela Política Urbana. Sua estrutura, elementos constitutivos, fundamentos e finalidades são objetos de investigação deste trabalho. Analisa-se a viabilidade de sua aplicação na concretização das diretrizes gerais propostas no Estatuto da Cidade e princípios contidos na Constituição Federal, em relação ao controle do uso do solo e ordenação adequada das cidades. Porém, serve para alertar da possibilidade de seu desvirtuamento, quando ausente um plano de instituição e controle objetivo, criterioso, impessoal e antes de tudo, moral, por parte do Município. Mal empregado, servirá como fator de agravamento das desigualdades sociais, permitindo práticas especulativas, socializando-se as perdas e privatizando-se os lucros decorrentes da atividade urbanística do Poder Público. Diante do quadrante normativo do Estatuto da Cidade em relação ao solo criado (por ser norma geral), pouco se pode afirmar acerca da sua eficiência, como instrumento político e jurídico da Política Urbana. Dependerá muito mais do Município, da maneira que foi estruturado o solo criado, por meio de seu Plano Diretor e Lei Municipal específica, o sucesso ou insucesso na concretização dos objetivos da Política Urbana. Vários aspectos do solo criado foram deixados ao Município para que os instituíssem de forma mais próxima a sua realidade, no âmbito de sua competência discricionária. Neste ponto, sobreleva-se o papel da doutrina e jurisprudência que estão se formando (haja vista a recente positivação pelo Estatuto da Cidade), a fim de que possam ofertar parâmetros para orientar sua criação e melhoria ou, ao menos, apontar os pontos que fatalmente poderão levar ao desvio de finalidade

A Professora Sonia Rabello de Castro, uma das mais inquietas pensadoras brasileiras do direito, particularmente sobre direito administrativo, urbanístico e ambiental, enfrenta um dos temas mais controversos do direito após a Constituição de 1988, o direito de propriedade, relacionando ao problema do direito de construir e o instituto da outorga onerosa , regulada pelo Estatuto da Cidade (a legislação municipal anterior ao Estatuto da Cidade usa o termo solo criado). Vale a pena ler sua reflexão sobre o tema, publicado no Jornal eletrônico  Carta Forense.

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